Processo 0036533-66.2011.8.26.0100 - Pedido de Providências – Registro Civil das Pessoas Naturais – C. G. da J. e outro – VISTOS. Por intermédio da Portaria CP 01/12-TN, editada por este Juízo, instaurou-se processo administrativo contra o 8º Tabelião de Notas da Capital, Douglas Eduardo Dualibi, sendo-lhe imputada a prática de falta funcional consistente na lavratura de escritura pública de procuração, datada de 05 de janeiro de 2005, sem a necessária comprovação de regular e legítima representação da empresa, Center Telefones S/C Ltda-ME, que se encontrava extinta, em afronta às formalidades previstas nos itens 12 “b” e 1, “e”, Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, violando o dever de observância das normas técnicas a que se refere o artigo 30, inciso XIV da Lei 8935/94, cujo comportamento configura infração disciplinar capitulada nos incisos I (inobservância das prescrições legais ou normativas), II (conduta atentatória às instituições notariais e de registro) e V (descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no artigo 30) do artigo 31 da Lei 8.935/94. O Tabelião foi citado e interrogado (fls. 133 e 137/138). Com a defesa prévia (fls. 143/145), vieram aos autos cópias dos documentos da Comissão de Valores Mobiliários e da Receita Federal, referentes à empresa outorgante (fls. 194/199 e 202/290), seguindo-se a inquirição das testemunhas arroladas pela D. Defesa (fls. 294/295). Ao cabo da instrução, foram oferecidas alegações finais (fls. 299/314). Na aludida peça, o Tabelião aduz, diante do lapso temporal, a ocorrência do instituto da prescrição, com a extinção da punibilidade contra o titular da delegação. No mais, refuta a imputação feita, alegando que a lavratura da escritura não dá margem à configuração de infração passível de punição, sustentando que a documentação apresentada fora conferida e não permitia que se suspeitasse de falsidade. É o relatório. DECIDO. Cuida-se de processo administrativo instaurado contra o 8º Tabelião de Notas da Capital, por afronta ao disposto no artigo 31, incisos I, II e V da Lei 8.935/94. No caso em exame, no dia 05 de janeiro de 2005, o 8º Tabelionato de Notas da Capital lavrou escritura pública de procuração, pela qual Center Telefones S/C Ltda-ME, representada por Antonio Luiz de Almeida Correa outorgou mandato para Luiz Alberto Orioli, conferindo-lhe amplos poderes negociais para vender ou transferir ações de telecomunicações. De início, afasto a alegação de prescrição. No dia 02 de julho de 2011, a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo recebeu ofício da Comissão de Valores Mobiliários, contendo irregularidades apuradas em escritura pública lavrada pelo 8º Tabelionato de Notas da Capital. Sem embargo da argumentação expendida pela D. Defesa, a punibilidade da falta disciplinar prescreve em dois anos e, “ex vi” do artigo 261, § único do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo, o prazo da prescrição iniciou-se no dia em que a autoridade tomou conhecimento da existência da falta. Na espécie, o prazo teve início na data em, que a administração, exercida pela Corregedoria, tomou conhecimento da prática da infração disciplinar, para adotar providências e responsabilizar o agente-Tabelião. Os efeitos nocivos e irregulares do ato notarial emergiram bem depois da lavratura da escritura, fruto de investigação promovida pela Comissão de Valores Mobiliários. Pretender fixar o termo inicial da contagem do prazo prescricional à data da escritura, salvo melhor juízo, traduz subversão à legalidade e à moralidade, premiando a impunidade. A propósito, em precedente análogo sobre o tema, a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, nos autos do Proc. CG nº 304/97, já decidiu que, por força do que dispõe o artigo 78 da Resolução nº 02/76 do Egrégio Tribunal de Justiça, e no silêncio da Lei nº 8.935/94, a prescrição das faltas disciplinares dos Delegados dos Serviços de Notas e Registrários continua sendo regida pelo vigente Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo. Na espécie, o prazo da prescrição iniciou-se em 02 de julho de 2011, seguindo-se a edição da portaria, instaurando-se o processo disciplinar em 15 de junho de 2012. Na realidade, o ofício recepcionado pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, em 02 de julho de 2011, constitui o início da data da fluência do biênio prescricional, seguindo-se a remessa do expediente para a Corregedoria Permanente em 02 de agosto de 2011. A portaria, instaurando o processo disciplinar, que é causa de interrupção da prescrição (artigo 261, parágrafo único do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo), foi editada em 15 de julho de 2012, sem que houvesse a fluência do prazo prescricional. Afastada a prescrição, verifica-se que a procuração foi escriturada sem a comprovação da regular e legítima representação da empresa outorgante, que, na ocasião, ostentava a situação cadastral “cancelada” (fls. 69). O Tabelionato arquivou o certificado do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica da empresa outorgante, Center Telefones S/C Ltda, bem como teve expressa ciência do motivo do cancelamento (extinção por encerramento liquidação voluntária; fls. 70). Nesse cenário, sem complementação documental comprovando a legitimidade do representante, lavrou-se a temerária procuração, em afronta à segurança jurídica. Não houve alusão no sentido de que o representante da outorgante fosse liquidante ou reunisse legitimidade para exercer a condição de procurador. Singelamente, a escritura fez referência à cláusula quarta do distrato social ao sócio Antonio Luiz de Almeida Correa para representar a mandante, sem arquivamento, como era de rigor, do respectivo contrato social. Diante do conteúdo dos poderes transferidos, contemplado na procuração, envolvendo atos negociais da empresa, impunha-se detalhado exame da documentação e completo arquivamento dos atos. A preposta Sonia de Fátima Pires de Oliveira, encarregada de lavrar o ato admitiu que arquivou apenas os documentos reproduzidos a fls. 69/70, insuficientes para gerarem a certeza da capacidade do representante para administrar os interesses da outorgante, em afronta ao item 12, “b” e item 15, “e”, Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Houve, sim, desapego às solenidades e indiscutível facilitação para produzir ato notarial. A cláusula quarta do distrato social, a que se refere a procuração, não contempla legitimidade para Antonio Luiz de almeida Correa representar a empresa, mas consigna apenas a assunção de responsabilidade pelas dívidas (fls. 212). Irrelevante, ainda, a reprimenda disciplinar interna aplicada à preposta, por sinal, bem depois da formalização deste expediente (fls. 117/127), traduzindo, quando muito, reconhecimento de ter havido falha notarial. A versão segundo a qual houve uma ardilosa e bem elaborada montagem de documentos falsos, a ponto de enganar a corretora, a Bovespa, a instituição bancária e o tabelionato, não basta para afastar a falta. Aos Tabelionatos, que, pela natureza do serviço, produzem atos jurídicos, impõe-se redobrada cautela na verificação da capacidade das partes envolvidas no ato notarial, sob pena de se banalizar a fé pública, o que não se concebe. Intuitivo que a situação da empresa, cujo cadastro fora cancelado, exigia aprofundamento junto aos órgãos competentes para certificar melhor do tema da legitimidade, e não simples análise superficial do contrato e do distrato. Mais: o contrato social e o endereço da empresa indicavam São Bernardo do Campo, Comarca diversa, a exigir a observância da regra prevista no item 14, Capítulo XIV das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, o que foi preterido. Em suma, o Tabelião tem o dever de exercer a atividade notarial com eficiência, bem como velar pela rígida observância das normas técnicas, o que inocorreu, a ensejar a penalidade pela falha apurada, com afronta ao disposto no artigo 31, incisos I, II e V da Lei Federal 8.935/94. Frise-se que o Tabelião no desempenho de suas funções responde pelos atos de seus prepostos. Quanto ao mais, no caso em exame, não há que se esmiuçar sobre a ocorrência do dolo, má-fé ou eventuais desdobramentos danosos a terceiros, ou mesmo a não utilização da procuração na fraude urdida, salvo no aspecto da imposição punitiva, na esfera da dosimetria da pena. Bem por isso, a aplicação da penalidade é medida que se impõe no caso em exame. O Tabelião, apesar de registrar várias ocorrências, não conta com antecedente funcional comprometedor (fls. 173/190). De qualquer forma, a solução adequada à espécie é a aplicação da pena de multa, a título de reprimenda pelo procedimento irregular de Douglas Eduardo Dualibi, sopesada a potencial lesão à segurança jurídica criada. No tocante ao valor da sanção pecuniária, atento ao disposto no item 9.1, Capítulo V das Normas do Pessoal dos Serviços Extrajudiciais editada pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, fixo em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a punição ora imposta. Pelos fundamentos expostos, JULGO PROCEDENTE a portaria inicial e, com fundamento nos artigos 31, incisos I e V, e 33, II, ambos da Lei 8.935/94, aplico ao Tabelião Douglas Eduardo Dualibi, do 8º Tabelionato de Notas da Capital, a pena de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), vedado o parcelamento. Comunique-se a presente decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça. P.R.I.C. – ADV: ASSUERO RODRIGUES NETO (OAB 238420/SP), ANA PAULA MUSCARI LOBO (OAB 182368/SP), NARCISO ORLANDI NETO (OAB 191338/SP), HELIO LOBO JUNIOR (OAB 25120/SP) (D.J.E. de 15.03.2013 – SP)